segunda-feira, 3 de setembro de 2012

O Diário

Eu prometi que escreveria, todos os dias, algo para Helena, em um caderno que comprei no dia de seu nascimento. Naquele dia enchi doze laudas de uma história que não interessaria a ninguém mais do que nós. Nunca produzi tanto em uma única tarde. Continuei, durante os próximos quatro dias, preenchendo aquelas páginas, ansioso, febril. Era um momento de desabafo, não queria produzir literatura e sim notas, recados para um futuro, memórias.

No quinto dia encomendei outros cadernos em uma loja da Internet, mas continuei escrevendo naquele antigo, já um pouco desgastado. Depois o substituí por um novo. Claro que não consegui relatar algo sobre Helena todos os dias. Em algum momento eu estava tão cansado que não pude falar nada sobre minha filha. Foram poucas as vezes em que isso aconteceu. Digamos que, dos 365 dias de vida que esta menina linda faz esta semana, 340 estão esmiuçados no Diário que criei para ela. As anotações estão lado a lado com estudos de personagens, ideias para contos, versos soltos, trechos de algum livro que li. Tudo misturado, como gosto.

No dia 22 de janeiro de 2012, qualquer um que estiver de posse de meus relatos pode ler: “Helena faz 4 meses e 16 dias. Está comendo papa de banana, mamão e pera. Ana deu a ela 4 colheres de mamão gelado e ficou preocupada pensando se a menina pegaria uma gripe. Pesquisou e descobriu que o melhor a fazer é dar o leite do peito logo em seguida. Como foi exatamente o que ela fez, ficou sossegada. Helena faz um longo ruído com a boca quando está chateada. Gravei o barulho em um vídeo para não esquecer.” Abaixo, ainda no mesmo 22 de janeiro, acrescentei: “Livro: Entre a luxúria e o pudor. Autor: Paulo Sérgio do Carmo. Editora: Octavo. Hoje gravei aqui em casa mesmo um vídeo para a TV Brasil, pois não queria ir ao Rio de Janeiro. Amanhã enviarei carta para o Antonio Maura Barandiarán para sondar a possibilidade de uma tradução.”

E assim foram os dias, alguns fáceis, outros mais complicadinhos, como é a vida, de qualquer maneira. Helena completa um ano no próximo dia 06 e eu queria lhe dar esta crônica de presente. Não apenas a ela, mas também à sua mãe, Ana. Neste primeiro ano em que convivemos com essa criança tão linda, eu queria relatar uma tristeza que sofri. E por culpa minha. Ana vivia seu primeiro dia das mães e, não sei o motivo, não preparei nada para ela. Não lhe comprei um presente, não encomendei flores, apenas lhe dei os parabéns, pela manhã e pronto. Tenho certeza que, por mais que haja tamanha carga comercial na data, fui insensível. Devia ter preparado uma festa, no mínimo.

Não foram os choros, as birras, as grandes inseguranças de pais de primeira viagem, os pequenos sustos que nos dão um ser tão dependente, que me deixaram, muitas vezes, um tanto desconsolado. Foi este primeiro dia das mães de Ana e foi culpa minha. Pondero que para sempre ela se recordará da data como um dia vazio, de decepção. Então, minha filha Helena, esta crônica é para que nos lembremos que ano que vem temos a obrigação de preparar algo inesquecível para Ana, alguma coisa tão grande, tão bela, tão inesperada, tão surpreendente, como a imagem de seus dedinhos beliscando carinhosamente o pescoço sensível de sua mãe.

(Whisner Fraga)

Quebra Cabeças

Como um homem pode dizer que não quer mais uma mulher, ainda mais se é uma mulher linda e deliciosa, capaz de fazer coisa que desafiam não só o pudor, mas a própria capacidade descritiva das palavras?



Como dizer que uma mulher dessas faz mal a você — e faz mal exatamente por isso? Pior, como admitir isso para si mesmo?

Sentia-se como um viciado que, depois de uma longa intimidade anestésica com a droga de sua eleição, descobre que ela já não lhe produz mais nem prazer, nem alívio.

Com essa mulher descobrira que sua droga era o sexo. Já nem sabia mais se gostava de sexo. Sabia, sim, que precisava de sexo — que sempre precisara.

Obsessivamente. Olhando agora, deste ponto de vista privilegiado, percebia que ela
não era um desvio, mas o clímax de uma história que jamais se dera conta que vivia. A vida toda a esperara sem saber.

"Isso não é amor!", repetia para si mesmo, como um mantra, enquanto andava de um lado para outro, incapaz de se concentrar, à espera de que o celular tocasse — porque ele não ligaria. Ele não. Não. Não era amor. Era uma deformação daquilo que um dia idealizara que seria o amor. Não era um fluxo suave de carícias mútuas, em tons de rosa, azul ou verde, mas um embate selvagem e desafiador, colorido de vermelho-sangue e amarelo-ouro, algo terrível que ofusca e sufoca, encanta e enoja, enlouquece e deprime. Algo que o fazia congelar a vida para espreitar o pequeno aparelho que deixara sobre a mesa de trabalho enquanto andava de um lado para outro, na tocaia, trancado em sua jaula refrigerada.

"Não quero mais você".

Como? Como dizer isso olhando naqueles olhos que ele podia ver agora, sem nem precisar fechar os seus? Aqueles olhos, intensos e frios como os olhos de um predador prestes a devorar sua presa, concentrados em nada dizer, iriam se tornando cada vez mais úmidos e submissos até começarem a se revirar nas órbitas, estrelas ansiosas pela aniquilação.

Como dizer "Você me faz mal", se a simples menção da palavra "mal" era como o sal em sua boca? "Eu faço tudo que você quiser", ele a podia ouvir dizer de volta, como ouvira tantas vezes, secreta senha da caixa de Pandora que trazia invisível em seu peito.

O amor pode ser um destino. O desejo é sempre uma fatalidade.

E sobre alguns, ele se abate irremediável e impositivo como um demônio, como uma outra vida. Via seus olhos, sentia seu perfume, ouvia sua voz. "É só um jogo", ela dizia — e a ele impressionava a infinidade de nuances que o "sim" e o "não" podiam ter em sua boca.

Se era um jogo, ele perdera. Se enredara na fantasia que fora tecendo para si minuciosamente ao longo de toda a vida — sem querer, sem saber — e que agora ganhara a forma dessa mulher que lhe cabia, tão exata quanto a última peça de um quebra-cabeças.

Só lhe restava uma saída: fugir. Desaparecer. Evaporar. Sem explicação, sem piedade. Antes que o celular tocasse. Porque se não tocar... Não, ele não ligaria — repetiu para si mesmo, pegando o celular sobre a mesa.

Crônica

Crônica é uma narração, segundo a ordem temporal. O termo é atribuído, por exemplo, aos noticiários dos jornais, comentários literários ou cientificos, que preenchem periodicamente as páginas de um jornal.

Crônica é o único gênero literário produzido essencialmente para ser veiculado na imprensa, seja nas páginas de uma revista, seja nas de um jornal. Quer dizer, ela é feita com uma finalidade utilitária e pré-determinada: agradar aos leitores dentro de um espaço sempre igual e com a mesma localização, criando-se assim, no transcurso dos dias ou das semanas, uma familiaridade entre o escritor e aqueles que o lêem.

Características
A crônica é, primordialmente, um texto escrito para ser publicado no jornal. Assim o fato de ser publicada no jornal já lhe determina vida curta, pois à crônica de hoje seguem-se muitas outras nas próximas edições. Há semelhanças entre a crônica e o texto exclusivamente informativo. Assim como o repórter, o cronista se inspira nos acontecimentos diários, que constituem a base da crônica. Entretanto, há elementos que distinguem um texto do outro. Após cercar-se desses acontecimentos diários, o cronista dá-lhes um toque próprio, incluindo em seu texto elementos como ficção, fantasia e criticismo, elementos que o texto essencialmente informativo não contém. Com base nisso, pode-se dizer que a crônica situa-se entre o Jornalismo e a Literatura, e o cronista pode ser considerado o poeta dos acontecimentos do dia-a-dia. A crônica, na maioria dos casos, é um texto curto e narrado em primeira pessoa, ou seja, o próprio escritor está "dialogando" com o leitor.